Internet dos corpos e feminismo de dados

Última alteração em: 07-10-2025

Este é o projeto que deu origem ao EtiCCista. Em breve, acesse a monografia publicada por Ana Carolina sobre o tema.

Resumo

A rápida convergência entre tecnologias digitais e o corpo humano, materializada na Internet dos Corpos (IoB) promove avanços significativos e levanta questões cruciais sobre vigilância, autonomia, privacidade e segurança de dados sensíveis, particularmente em relação a grupos minoritários. A IoB é uma rede que se forma entre dispositivos diretamente associados ao corpo físico. Esses dispositivos podem ser wearables, sensores implantados ou ingeríveis, e são capazes de monitorar, analisar e até modificar o corpo humano e seu comportamento, transformando-o em uma plataforma tecnológica.

No contexto contemporâneo, a proeminência das aplicações de inteligência artificial generativa exige rigor na coleta e processamento de dados utilizados para o treinamento de modelos e o desenvolvimento de novas aplicações. Com a emergência da IoB, o corpo humano se transforma em uma fonte de informação passível de compartilhamento e análise. É imperativo reconhecer que as representações e visualizações desses dados inserem-se em contextos históricos, sociais e políticos que, frequentemente, privilegiam a perspectiva de um grupo demográfico específico, não representando de forma equitativa a diversidade de seus usuários.

O feminismo interseccional de dados, como apresentado por Catherine d’Ignazio e Lauren Klein, complementa o pensamento feminista ao considerar a influência de recortes sociais diversos do gênero, tais como raça, etnia, cultura, religião, sexualidade, nacionalidade, deficiência, entre outros, em sua interpretação da ciência de dados. Essa perspectiva, que tem suas raízes no conceito de interseccionalidade cunhado por Kimberlé Crenshaw em 1989 para abordar a invisibilidade de mulheres negras em movimentos sociais, pode ser um ponto de partida interessante para analisar os potenciais riscos sociais da IoB, reconhecendo a natureza não-neutra dos dados e a importância da inclusão de perspectivas subjugadas.

Materiais autorais

Artigos interessantes

Recomendações de mídia

Disciplinas

A IoB está intrinsecamente ligada à computação, tanto como subárea de IoT, quanto por depender de outros avanços em diversas áreas da informática para funcionar de maneira eficaz e segura: a coleta, transmissão e análise de dados biométricos exigem infraestrutura robusta de computação, incluindo redes de alta velocidade, computação em nuvem e algoritmos avançados de processamento de dados.

A seguir, apresentamos pontos de discussão plausíveis nas aulas, seguindo as ementas disponíveis na página do curso de Bacharelado em Ciência da Computação (UFPI) no SIGAA.

Informática e Sociedade

Aspecto histórico da Tecnologia na Sociedade. Implicações sociais, políticas e econômicas da Informática na Sociedade. Influência da comunicação e compartilhamento de dados eletrônicos na sociedade. Privacidade e liberdade de expressão. Legislação pertinente a computação e informática. Crimes cibernéticos. Mercado de trabalho de Informática e direito trabalhista. Ética e Moral. Código de ética profissional de informática. Direitos de propriedade intelectual e patentes. Tendências e perspectivas sociais com uso da computação e informática.

Internet dos Corpos:

  • A IoB representa uma coleta de dados bastante íntima. Onde e como esses dados de saúde, movimento e até emocionais são armazenados, processados e com quem são compartilhados?
  • Com o risco de vigilância extrema e coerção; a “datificação” da saúde e do bem-estar; a tensão entre o benefício médico/individual e a invasão de privacidade, como o consentimento é dado e retirado em um ecossistema de dispositivos contínuos?
  • Qual o papel das empresas de tecnologia na saúde e na segurança dos usuários? Como evitar o monopólio de dados biométricos?
  • O aprofundamento da desigualdade social ao criar um abismo entre aqueles que podem (ou não) pagar pela tecnologia de monitoramento de saúde, ou mesmo entre os que são monitorados e os que não são.
  • A inadequação da legislação atual (como a LGPD no Brasil) para lidar com a natureza sensível e contínua dos dados biométricos e de saúde, e a IoB como vetor de novos crimes cibernéticos, como sequestro de dados de saúde críticos ou adulteração de registros médicos.

Feminismo de Dados:

  • Mostrar como a ausência de diversidade nas equipes que criam a tecnologia e nos datasets de treinamento leva a algoritmos enviesados.
  • Analisar a história da computação sob uma lente interseccional, questionando quem foi incluído e quem foi marginalizado na narrativa tecnológica.
  • Discutir o mito da “neutralidade” dos dados e da tecnologia.

Interface Humano-Computador

Design de interação: conceitos, métodos e técnicas. Fundamentos de IHC. Design centrado no usuário. Análise de usuários. Fatores humanos. Acessibilidade de software. Usabilidade: métricas, testes e avaliação. Tecnologias para IHC: interfaces gráficas, Web, Mobile e Games.

Internet dos Corpos:

  • Como projetar interações para dispositivos que estão dentro ou sobre o corpo, com foco deve estar no consentimento contínuo e na confiabilidade?
  • O usuário realmente entende o que o sensor vestível está capturando (dados de sono, estresse, ciclo menstrual)? Como o feedback visual na interface pode tornar a coleta de dados mais transparente e controlável pelo usuário?
  • Como projetar notificações de saúde crítica (ex: irregularidade cardíaca) sem causar pânico indevido?
  • As métricas de usabilidade tradicionais (tempo de tarefa, satisfação) devem ser complementadas com métricas de confiança e segurança dos dados?

Feminismo de Dados:

  • Consequência da falta de representatividade ou da falta de interseccionalidade ao pensar em quem será o usuário padrão do produto. Quais problemáticas estamos “evitando”?
  • Como projetar sem reproduzir vieses preconceituosos de gênero? Ex.: por que boa parte das assistentes virtuais são mulheres?
  • Como fazer o design ir além da conformidade legal e projetar interfaces que abordem ativamente as necessidades de grupos historicamente sub-representados em tecnologia?

Segurança em Sistemas

Fundamentos de segurança da informação. Criptografia clássica e moderna. Criptoanálise. Serviços e mecanismos de segurança. Segurança de redes de computadores. Desenvolvimento seguro. Gestão de segurança da informação.

Internet dos Corpos:

  • Princípios de Confidencialidade, Integridade e Disponibilidade(CID) aplicada a dados biométricos e de saúde críticos.
  • Análise de risco em dispositivos vestíveis e implantáveis. A necessidade de novos mecanismos de autenticação que sejam não-invasivos, mas robustos (ex: biometria, mas com proteção contra spoofing).
  • Segurança na comunicação entre os dispositivos IoB e gateways (celulares, nuvem).
  • Políticas de descarte e backup de dados biométricos (o que acontece com os dados de um wearable quando o usuário morre ou para de usá-lo? Direito ao esquecimento…).

Feminismo de Dados:

  • Quem está sendo visado na vigilância algorítmica? Sistemas de segurança que falham em proteger dados de ciclo menstrual, localização de clínicas ou histórico médico (dados sensíveis a mulheres e minorias) expõem esses grupos a violência, coerção ou discriminação.
  • Promover o design de segurança inclusivo. Por exemplo, sistemas de autenticação baseados em voz que falham em reconhecer vozes de certas minorias ou de pessoas com condições médicas (viés de dataset).
  • A necessidade de avaliações de impacto e conformidade que incluam o viés algorítmico e a discriminação sistêmica. Risco técnico e institucional.
  • O papel da segurança da rede na proteção de grupos vulneráveis.

Disciplinas que abordem IoT

Quaisquer disciplinas optativas que abordem IoT de forma mais específica - optei por não colocar ementas, já que boa parte dos cursos desse tipo são de ementa aberta.

Internet dos Corpos:

  • Questões técnicas: análise dos protocolos de comunicação, biosensores, desafios como ruído, potência, capacidade da bateria, acurácia, tempo real.
  • Questões sociais: importância da conformidade regulatória, estudo de vulnerabilidades específicas e a gestão de identidade do dispositivo no corpo, onde o token de autenticação é, na prática, a vida da pessoa.

Feminismo de Dados:

  • Estudar como o design de sensores pode falhar em diferentes populações. Exemplo clássico: Oxímetros de pulso (PPG) podem ter menor precisão em tons de pele mais escuros. Como tornar os testes mais diversos e abrangentes?
  • Exigência de auditoria de datasets, para testar se há enviesamento indevido, considerando que boa parte dos algoritmos de machine learning usados para diagnóstico ou alerta podem ser treinados predominantemente com dados de um único grupo demográfico, falhando assim em diagnosticar corretamente outros grupos.
  • Analisar o fluxo de dados do corpo para a Nuvem através de uma perspectiva de poder. Quem se beneficia do controle desses dados (empregadores, seguradoras, governo)? Discutir como o rastreamento de dados de fertilidade ou estresse pode ser usado como ferramenta de vigilância e discriminação.